Vamos falar de sexo mesmo? - por Ana Clara Squilanti

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Que a descoberta pela sexualidade começa na infância, todo mundo sabe. Uma das histórias mais pitorescas que eu conheço é de um grupo de amigas que eventualmente se reuniam no sábado à noite, para jogar baralho e assistir pornô. Na verdade o truco, o buraco e o tapão eram o energético que havia na época para mantê-las acordadas até às 02h da manhã, quando começava o Cine Privê na Bandeirantes. Sim, com 12, 13 anos meninas assistiam Emanuelle no Espaço. E sabe quando foi rolar as discussões sobre erotismo e excitação? Anos depois, já adultas. À adolescência coube um enorme hiato sobre o tema. O engraçado é que ficavam excitadas mas não compreendiam, e ninguém nunca se colocou a entender também, pelo menos não naquela época.

Lembro das primeiras tentativas vitoriosas que tive me masturbando, e de, logo após atingir o orgasmo, ter sentido uma pontinha de dolo, vergonha. Eu, sozinha na escuridão do meu quarto, estava me sentindo culpada por ter gozado. Por mais que eu tenha parado a minha relação com a igreja na catequese, esse comportamento reflete o quanto o pensamento cristão ainda está incutido em nós, afinal, foi com ele que surgiu a ideia de que o sexo só deveria ser feito para a procriação, e que logo culminou na troca do prazer por medo, censura e culpa. Acredito ser essa culpa o nutrimento da falta de diálogo sobre prazer, e consequentemente da falta dele .Fui compartilhar essas experiências bem mais tarde, já madura. 

Conversas sobre sexo acontecem sim, claro, em qualquer roda de amigas, mas comecei a analisá-las mais minunciosamente recentemente. “E aí, rolou?”, “Sim!”, “Foi bom?”, “Foi legal”.“Você gozou?”, foi perguntado vez ou outra, e, sinceramente, nas poucas vezes em que a palavra gozo foi pronunciada, consecutivamente foi acompanhada de um olhar ou uma palavra repressora. “Você se masturba?” tem às vezes igual impacto. Meio estranho isso, ser liberado falar sobre o tamanho do membro do companheiro, motel e lingerie, mas ser tabu falar sobre tesão e orgasmo.O diálogo se sucede sim, entre algumas, mas raramente é algo discutido confortavelmente numa mesa de bar.O pior é que eu sinto que isso não é por mal, talvez seja algo até inconsciente. A sexualidade da mulher é tão reprimida que chega a ser obsceno assumir ela. A mulher tem que ser sexy, mas sexual, só entre quatro paredes e com o companheiro, se não soa feio, vulgar. 

Mais do que ser vergonhoso falar que você tem satisfação na cama, é assumir que você não tem. Parece que isso te faz menos mulher. E foi assim, timidamente, após inúmeros anos de amizade e mais anos ainda de vida sexual ativa, que uma amiga me contou que achava nunca ter tido um orgasmo. Achava, ou seja, nunca teve mesmo. Sei que ela ficou envergonhada ao falar isso, e eu em contrapartida fiquei muito triste. Triste por ela nunca ter experienciado isso, triste pelas relações que ela já teve, pela apatia dos homens com quem ela já se deitou por não se sensibilizarem com isso. Triste por mim e por todas as mulheres que já permanecemos com tesão após o companheiro desmontar em êxtase para o lado, triste por saber que algumas de nós não nos tocamos e não sabemos do que gostamos, por todas nós que não compartilhamos isso e que, infelizmente, ainda vemos isso como normal. Triste, ainda mais, por saber que esse tipo de situação é constante. 

Não vou entrar no mérito da questão do sexo ser feito, no mínimo, a dois, e de que se espera que os dois se satisfaçam com ele, mas sim no fato de nós, mulheres, ainda não conversamos sobre isso. Não na intensidade que deveríamos. Se a problematização é lenta, a busca pela solução também é. Nós não vamos buscar prazer na cama, nem desfrutar dele, se não começarmos a ver a sua falta como um dilema. 




Ana Clara Squilanti, cis, branca, (meio) hétero e há 27 anos em constante desconstrução. 

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