Escritoras Maravilhosas - Ana Maria Machado

 Foto: Bruno Veiga

Um pouco sobre a sua vida

Ana Maria nasceu em Santa Tereza, Rio de Janeiro, em 24 de dezembro de 1941. É casada com o músico Lourenço Baeta, do quarteto Boca Livre, tendo o casal uma filha. Do casamento anterior com o médico Álvaro Machado, Ana Maria teve dois filhos.

Estudou no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no MOMA de Nova York, tendo participado de salões e exposições individuais e coletivas no país e no exterior, enquanto fazia o curso de letras (depois de desistir do curso de Geografia). Formou-se em Letras Neolatinas, em 1964, na então Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, e fez estudos de pós-graduação na UFRJ.

Considerada pela crítica como uma das mais versáteis e completas das escritoras brasileiras contemporâneas, a carioca Ana Maria Machado ocupa a cadeira numero 1 da Academia Brasileira de Letras, que presidiu de 2011 a 2013.

Na sua carreira, os números são generosos. São mais de 40 anos escrevendo, mais de cem livros publicados (dos quais 9 romances e 8 de ensaios), mais de vinte milhões de exemplares vendidos, publicados em vinte idiomas e 26 países. Os prêmios conquistados ao longo da carreira também são muitos, de se perder a conta. Entre eles, 3 Jabutis, o Machado de Assis da ABL em 2001 para conjunto da obra, o Machado de Assis da Biblioteca Nacional para romance, o Casa de Las Americas ( 1980, Cuba), o Hans Christian Andersen, internacional, pelo conjunto de sua obra infantil (2000), entre inúmeros outros.

No final de 1969, depois de ser presa pelo governo militar e ter diversos amigos também detidos,  deixou o Brasil e partiu para o exílio. Na bagagem para a Europa, levava cópias de algumas histórias infantis que estava escrevendo, a convite da revista Recreio.

A volta ao Brasil veio no final de 1972, quando começou a trabalhar no Jornal do Brasil e na Radio Jornal do Brasil, no Correio da Manhã, n’O Globo, e colaborou com as revistas Realidade, IstoÉ e Veja e com os semanários O Pasquim, Opinião e Movimento.

Em 1980, junto com Maria Eugênia Silveira, decidiu abrir a Malasartes, a primeira livraria infantil do Brasil , que co-dirigiu por 18 anos, apostando na inteligência do leitor, na criteriosa seleção dos títulos a partir de um conhecimento acumulado, na liberdade de escolha, na convicção de que ler livro bom é uma tentação irresistível e um direito de toda criança. O sucesso foi tal que, daí a um ano, só no Rio de Janeiro, havia 14 livrarias que buscavam seguir o mesmo modelo.

Algumas de suas obras



Era uma menina linda. A pele era escura e lustrosa, que nem pêlo da pantera quando pula na chuva. Do lado da casa dela morava um coelho que achava a menina a pessoa mais linda que ele já vira na vida. Queria ter uma filha linda e pretinha como ela.



A menina Bel encontra um dia uma foto de sua bisavó Bia, entre as coisas de sua mãe. A partir daí, ela inicia uma relação de muitas descobertas com essa pessoa tão importante na vida de sua família e na da própria. Até que surge uma menina inesperada (esse é o meu preferido).



Como a Alice de Carroll, ela está disposta a explorar o país das maravilhas e experimentar todas as novas sensações. Como Ulisses, ele está disposto a grandes aventuras e a se divertir pelo caminho, mas não perde de vista que um dia vai voltar para casa.

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#LeiaMulheresSempre


É fato que o papel da mulher na literatura, assim como em muitas outras áreas, não é tão grande e valorizada quanto à dos homens. Citando a literatura nacional como exemplo, é muito mais fácil uma pessoa dizer que já leu um livro do Machado de Assis do que da escritora Ana Maria Machado. Então por que não tentar fazer diferente dessa vez?

No ano de 2014, a escritora e ilustradora inglesa Joanna Walsh propôs que as pessoas decidissem conscientemente ler mais obras escritas por mulheres. A iniciativa no Twitter, onde foi criada a hashtag “#readwomen2014”, teve uma repercussão tão grande e inesperada, que a própria criadora ficou impressionada com a proporção da sua ideia.

Em entrevista a Revista Língua, Joanna contou como foi o inicio de tudo: Eu sinto que o #readwomen2014 na verdade aconteceu comigo. Fiz alguns marcadores de página para enviar como cartões de Ano Novo, em resposta a dois revisores com quem eu estava em contato no Twitter (Mateus Jakubowski nos EUA e Jonathan Gibbs no Reino Unido) que decidiram ler escritoras por um período de tempo definido. A partir daí, fiz o hashtag e publiquei as imagens dos marcadores. O hashtag decolou no Twitter ao ponto de eu ter que iniciar uma conta à parte (@readwomen2014). Nesta conta, hoje, tento reunir tweets sobre mulheres escritoras: recomendações, projetos, notícias, comentários... Eu também comecei a trabalhar em colaborações, o que é emocionante, começando com uma edição só de mulheres da revista Hamish Hamilton, Five Dials (Fivedials.com).’

Mesmo sendo através de um acidente, o #readwomen2014 contemplou iniciativas e ânsias de muita gente, não à toa se espalhou tão rapidamente pela Inglaterra e pelo resto do mundo. No Brasil, foram criadas as hashtags #leiamulheres e #umquartosóseu. O site oficial desse projeto aqui no Brasil, leiamulheres.com.br, tem como objetivo levar a leitura de livros escrito por mulheres para espaços culturais e livrarias através de encontros.
 
O machismo é uma força atuante e dominante na grande maioria das sociedades contemporâneas. E o mundo literário não foge à hegemonia. Não é o fato da alfabetização das mulheres ter ocorrido de forma tardia que as impede de crescer no mundo da literatura, o que nem é aceito como justificativa, mas sim o preconceito. Existem pesquisas comprovando que escritoras ainda são marginalizadas por editoras, revistas literárias e jornais.

Contudo, nós vamos fazer nossa parte para mudar essa realidade. Hoje estamos iniciando a coluna Escritoras Maravilhosas. Através dela vamos apresentar aos nossos leitores a historia de vida e o trabalho de mulheres talentosas, seja ela conhecida ou não. Dessa forma, esperamos conseguir complementar a iniciativa da Joanna Walsh e continuar difundindo a literatura feminina, quebrando as barreiras erguidas pela discriminação.


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Para combater o assédio, adolescente lança aplicativo 'SaiPraLá'



Eu me sinto mal quando penso que fiquei tão inabilitada (e esgotada) nas últimas semanas e não consegui escrever NADA sobre o turbilhão de coisas que aconteceram pela internet afora. Bombaram as campanhas #primeiroassedio e #vamosfazerumescândalo, fazendo explodir nas redes a temática do “abuso nosso de cada dia”, e #agoraéquesãoelas, dando voz e lugar às mulheres.

Claro que não ia poder faltar bola fora, e os homens lançaram a cagada campanha #meaculpa, onde eles assumiam seus atos de machismo como assédios e outras cositas más. Enfim, isso não é o foco aqui, então se quiser saber mais por que essa ideia é meio bosta, basta pesquisar um pouquinho aí. Quebro o seu galho e indico este link.

Mas vamos ao que realmente interessa, principalmente para esta coluna. Afinal de contas, este é um espaço para ideias DELAS. E boas ideias, claro. No meio de todo esse frisson, acabei descobrindo o aplicativo Sai Pra Lá. A idealizadora é a estudante Catharina Doria, de apenas 17 anos, que preferiu trocar sua viagem de formatura pelo desenvolvimento.

Cansada das constantes situações de abusos e assédios que, infelizmente, nós mulheres estamos acostumadas a enfrentar diariamente, ela contatou alguns conhecidos que entendiam do assunto e apresentou a ideia. O que o aplicativo faz é mapear o assédio, através de denúncias anônimas das usuárias, que marcam alguns detalhes sobre o que, quando e onde elas sofreram.

Com isso em mãos, a intenção é prevenir novos abusos, alertando às mulheres sobre as situações de risco e pressionando as autoridades a tomarem alguma medida. Buscando aumentar o alcance do projeto, foi criada uma campanha no Kickante, que já alcançou 123% da meta. Você pode baixar o aplicativo clicando aqui.

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Dos outros e de nós



A xícara de café esfriava, repousada sobre uma das cadeiras do auditório, enquanto a garrafa d’água em sua mão esquentava. Já era a quinta vez que o texto era repassado, e ninguém ficava satisfeito. Estavam todos cansados, permaneciam ali há horas, mas o resultado não estava bom. Mais que ninguém, Miriam sentia a ansiedade a dominando cada vez mais. Era por causa dela que não podiam ir embora, que tinham de ensaiar tantas e tantas vezes.

Os colegas atores não demonstravam raiva ou a culpavam, mas ela já se sentia mal por conta própria. Os gritos e reprimendas do diretor não passavam de uma ajuda pro serviço. Ela não conseguia entender. Nunca tivera tanta dificuldade para assumir um papel. Já fizera personagens mais velhas que ela, mais jovens, loucas, putas, santas, professoras, até outras artistas. Mas justo aquela ela não conseguia encarnar.

Qual a grande dificuldade? Ela não conseguia decifrá-la. Era uma mulher comum, e já tinha interpretado mulheres comuns antes. Uma personagem intensa, mas isso também não era difícil para ela. Não era misteriosa, não era elaborada demais, mas era diferente. Por que? Por que ela não conseguia entendê-la?

- Afinal de contas, Hélio, qual a motivação dessa bendita personagem? – perguntou, exasperada, depois de um dos acessos do diretor.

Ela já não sabia mais aonde ir para procurar por inspiração. Sua voz já estava mais fraca e se esquecera de tomar água há pelo menos duas horas. A garrafa em sua mão fazia mais o papel de distração para o próprio nervosismo. Se render daquela forma, fazendo uma pergunta que ela sabia que podia desencadear de vez a fúria de Hélio, era uma medida desesperada. Como imaginado, ele respirou fundo, mas não conteve a ferocidade de seus berros:

- Você não é uma atriz? O papel é seu! Descubra!

Descubra. A palavra ressoou em sua mente. Se o resto daquela fala era uma chicotada em sua moral, aquela palavra final era o álcool jogado sobre as feridas. Descobrir como? Já era a última semana antes da estreia da peça, e ela ainda não conseguira descobrir absolutamente nada sobre a motivação da personagem. O que mais ela podia fazer? Estava tão cansada...

Não podia seguir daquele jeito. Com esforço para se manter firme, apesar dos contínuos gritos do diretor, pediu licença e foi para o camarim, sem esperar resposta. Tremendo de cansaço e apreensão, enfiou a cara na pia. Deixou a torneira escorrer por uns segundos e aproveitou para beber um pouco, dali mesmo. Estava no seu limite. Os gritos do diretor, os olhares escrupulosos dos colegas, suas próprias dúvidas, tudo girava dentro de seu cérebro como a água daquele ralo. Mas, ao contrário do conteúdo da pia, o da sua cabeça não se esvaía.

Levantou-se, deu alguns passos para trás e sentou-se no chão. Pensou rapidamente no texto, tentando não se focar em nenhuma cena ou fala específica. Tinha de haver uma resposta ali, ela só não procurara direito. Todos tem uma motivação, era impossível que aquela mulher fictícia não tivesse. Parou, no entanto, ao pensar em si mesma. E ela? Qual era sua motivação?

Lembrou-se da primeira vez que fez uma aula de teatro. Criança, tímida, desde aquela época já não era mera diversão, mas também um meio de ser mais extrovertida. Cresceu, adolesceu, e continuava atuando. Era bom fazer uma manutenção, e se o medo de falar em público voltasse? Mas ficava um tempo sem fazer teatro e ele não voltava. Não era pela timidez.

Época de vestibular, escolheu artes cênicas. Era só o que sabia fazer, afinal. Não. Pensava assim, mas no fundo sabia que era mentira. Sabia escrever, era boa em línguas, em história, até em biologia. Mas era só o teatro que ela amava. Escolheu a profissão, o teatro, por amor. Gostava de ser e vivenciar o outro, podendo voltar a ser ela mesma quando saía do palco. Sentia prazer em mexer com as emoções do público, e via na arte a obrigação de fazer os outros pensarem. E, principalmente, gostava de fazê-lo descobrindo mais sobre seus personagens. Era isso que a motivava.

Por fim, percebeu que o mesmo motivo que a levara até aqueles palcos era o que a fazia bater tanto com a cabeça na parede para entender uma pessoa que nem existia. Era o que sempre fazia, tentava conhecer o outro. “Afinal de contas, se sou eu essa personagem, por que ela não pode ser motivada pela minha vontade de vivê-la?”, pensou.

Não estava completamente segura, mas voltou para junto dos colegas mais tranquila – e hidratada. Repassaram a cena mais umas duas vezes, e finalmente começaram a ficar satisfeitos. Não estava perfeito, é verdade, mas já era algo. Ao menos, podiam ir para casa e descansar. E, mesmo não estando perfeita, Miriam não pode deixar de sentir um certo orgulho da própria atuação. Acreditava que, pela primeira vez, ela realmente sabia o que motivava sua personagem. Ela mesma.

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