Quero abraçar Freddie Oversteegen e nunca mais largar






Quer saber porque eu amo a Freddie Oversteegen? Porque em sua juventude, ela foi integrante da resistência holandesa durante a Segunda Guerra Mundial.

A família de Freddie já escondia pessoas que sofriam perseguição em sua casa, antes da convocação.
Freddie, hoje com 90 anos, foi recrutada juntamente com a irmã, Truus (16 anos), por um homem (cujo nome eu não descobri) quando ela tinha 14 anos. Ele pediu a permissão da mãe delas, para que ambas, que não passavam a suspeita de serem rebeldes, pudessem agir contra os nazistas. 

O grupo do qual as irmãs faziam parte também tinha uma jovem chamada Hannie Schaft, a garota dos cabelos vermelhos, a mais famosa entre as três.

Hannie Schaft e Truus, irmã de Freedie, durante a resistência
                      Truus (à esquerda) e Hannie                               
Hannie morreu antes do fim da guerra, um documentário foi feito sobre ela e seu corpo foi enterrado novamente, com a presença da Rainha Wilhemina e do Príncipe Bernhard da Holanda. Há 15 cidades na Holanda com ruas que receberam seu nome. Já  Truus, após o fim da guerra, se tornou porta-voz dos serviços memoriais e artista plástica.

   

Você acha que ela participava da guerra como soldado? Carregando armas e lançando granadas? Não! O trabalho dela (assim como das outras jovens) era seduzir soldados e lideres nazistas. Ela os levava para a floresta, onde membros armados da resistência os matavam, tiravam as roupas e enterravam o corpo. Freddie garante que nunca participou dessa parte e que sempre preferiu assim.

Thijs Zeeman, cineasta holandês, fez um documentário chamado Duas Irmãs na Resistência para a TV, onde conta sobre Freddie e também sobre sua irmã.

Ela deu uma entrevista para a VICE Holanda contando um pouco sobre como foi sua participação na guerra: 


Qual foi o papel de vocês nessa missão?
Não atirei nele — um dos homens foi quem atirou. Eu tinha que ficar de olho na minha irmã e manter um posto de guarda na floresta, para ver se ninguém mais estava vindo. Truus tinha encontrado o homem num bar caro, o seduzido e o levado para dar um passeio na floresta. Ela disse "Você gostaria de dar uma volta?" E claro que ele quis. Aí eles encontraram alguém — o que era para ser visto como uma coincidência, mas ele era um dos nossos — e o amigo disse para a Truus: "Menina, você sabe que não deveria estar aqui". Aí eles se desculparam, deram a volta e foram embora. Aí vieram os tiros, então aquele homem nunca soube o que o acertou. Eles já tinham cavado a cova, mas não tivemos permissão para ver essa parte.

E vocês não tiveram problema com isso?

Não, eu não queria ver mesmo. Mais tarde eles nos disseram que tiraram todas as roupas dele para que o corpo não pudesse ser identificado. Acho que ele ainda deve estar lá.

Vou deixar o link com a entrevista completa aqui. Freddie se mostra encantadora, uma mulher admirável que fez muito por seu país. A luta, a coragem e a resistência dela servem de inspiração para todas nós.

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

O 'pequeno' assédio nosso de cada dia


Na época da campanha #meuprimeiroassédio eu não conseguia me lembrar de nada que eu tivesse passado e que se encaixasse na proposta. Eu lia os relatos das outras mulheres e, além de triste por elas, ficava assombrada por perceber que tanta gente já tinha passado por acontecimentos marcantes e cruéis. Eu só conseguia me lembrar das pequenas cantadas de rua, que não, não são bobagens, mas com as quais (infelizmente) toda mulher aprendeu a conviver. Mas depois eu me lembrei que eu tinha, sim, acontecimentos (e até rotinas) que me marcaram de forma negativa, mas que por algum motivo eu havia suprimido. 

Quando eu tinha uns treze anos, eu morria de medo de voltar sozinha da escola, porque uns meninos (sim, meninos, de uns 9 ou 10 anos) sempre passavam a mão na minha bunda e me chamavam de gostosa se eu topava com eles fazendo o caminho oposto, saindo da escola deles. Eu passei a usar minha mochila-carteiro virada para trás, evitava esse horário, e sempre andava junto com uma colega que morava no caminho de casa - e que também morria de medo e desconforto pela situação.

Aos quinze, em um aniversário, um rapaz me chamou para conversar e, do nada, no meio da conversa, tentou me beijar. Eu neguei, mas ele insistiu um pouco. Eu era muito retraída e me senti tão mal que saí de perto dele, corri para o banheiro e vomitei. E quanto mais o amigo dele insistia pra eu "deixar de bobeira" e explicar ao menos "por que não", pior eu me sentia. Por meses eu ficava mal quando lembrava disso ou via esse menino na escola, e escondi o fato, cheia de vergonha.

Aos dezessete, numa festa, um cara tentou me agarrar por trás enquanto eu procurava o banheiro. Ele provavelmente estava bêbado, o que facilitou que eu me desvencilhasse sozinha, sem nem ver quem era. Meu corpo reagiu mal novamente, eu fiquei sem ar, agoniada e com vontade de chora. Mais uma vez, eu me senti como lixo, suja e até um pouco culpada: "por que eu tive que sair de casa, também"?

Comparados com outros relatos, eram coisas menores, mas que por algum motivo me fizeram muito mal na época. E que anos depois  ainda me incomodavam, mas eu simplesmente não conseguia me lembrar deles, se não por acaso ou associação. Cheguei à constatação de que eu fugia desses problemas, mas também que eu criei uma naturalização em torno deles. Esses fatos se anexaram à minha biografia, e por algum motivo minha memória não os considerava dignos de nota.

Mas fazendo esse novo esforço para relembrá-los eu fiz uma outra constatação desagradável. Eu, como tantas outras, me culpava ou me responsabilizava por essas coisas. Ou eu me arrependia de ir àqueles locais, ou eu decidia "me proteger" (como fazia com minha mochila).  Eu, como tantas outras, me culpava pelo que faziam comigo. Mas eu não sou culpada, essas mulheres que passaram por coisas menores, semelhantes ou piores que eu não são culpadas. Não importa o que nossos cérebros ou as pessoas nos digam: nós não somos culpadas pelo que fazem conosco.

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Lilith



       Embora religião e feminismo se contraiam em paradoxos possivelmente jamais corrigidos, não raro, me tomo por Lilith quando sufocada em situações desagradáveis ao cenário e desafios femininos. Curiosa por natureza, estou sempre à procura por novos lugares, comidas, bebidas e, por que não, pessoas?! Enfim, desprovida de habilidades para preliminares sociais, mas atenta ao que insiste em ser incorrigível, vivo conflitos que me obrigam a abandonar o “Jardim do Éden”. Mas, ainda que herdeira das interpelações de Lilith, me nego a condição de simplesmente fugir. Se o Éden é o local do masculino, eu, personificação ressemantizada de um protagonismo (conspiratório?!) religioso, a mim imponho o dever de ficar.

     Se filha de Lilith, sou legatária de espaço, de voz e de poder. Sou obra desmedida e dona de mim.  Não há lugar por onde eu passe que não me julguem pela ausência de idoneidade já esquecida desde minha concepção como Lilith. Se às vezes cansada de fincar raízes em pontos de resistência, penso, por outro lado, na dívida contraída com aquela que se fez só sob a transparente franqueza em não ser linha míope do sujeito que sobrepujou a competência (ilegítima) de nos dominar. E eu sigo! Sigo como interlocutora irredutível não mitológico que, já distante do “Jardim do Éden”, não se satisfaz em ouvir apenas o eco da própria voz de Adão.

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Sobre um diálogo de TODAS NÓS



Sabe quando o estupro acontece? Quando você, ao sair de casa, passa por um ou vários homens que a encaram sem o menor pudor enquanto lançam suas cabeças e corpos que vão em conjunto a palavras reduzidas à extensão do seu corpo, à idade, ou ao mérito da gostosura. E você?! Disciplinada para ser submissa e intimidada pelas proporções de um dado biológico, desvia os olhos e caminha.

Sabe quando o estupro acontece? Quando seus amigos, namorado, pai e irmão se impõem pelo timbre de uma voz que sucumbe ao desejo de não querer ouvir, de ser exclusivo em razão e poder, e de ter vantagens sobre um corpo atravessado pela virilidade do discurso.

Sabe quando o estupro acontece? Quando ele controla suas roupas, suas saídas com amigas que, uma ou todas, são rotuladas como influência negativa ao bibelô que se quer criar. Quando ele não aceita que você saia sozinha. Isso mesmo! Porque sair sem ele, ainda que com outras mulheres, é estar à própria sorte em um universo que só nos reconhece à sombra do masculino.

Sabe quando o estupro acontece? Quando ele diz que você é rodada e, portanto, ideal para os amigos que não querem nada “sério”. Quando ele invoca rivalidades femininas ao elogiá-la dizendo: “você é diferente das outras!”. Quando, para convencer os amigos de que você foi A pegada da noite, ele simplifica alegando o quanto você é “gostosa”, ou extremamente linda.

Sabe quando o estupro acontece? Quando ele se satisfaz por ter gozado e ponto! Quando ele relativiza a violência contra outras mulheres perguntando: “você sabe o que ela fez, onde ela estava, que roupa usava, ou se ela o traía?”, ou, quando, para ele, a resolução dos problemas se resume a ser bem ou mal comida.


Enfim, você sabe quando o estupro também acontece? 

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Duas - por Mariana V. Lazzari

RENOIR - Duas meninas lendo no jardim


"Eu era ainda menina na escola quando estabeleci minha amizade com ela. Era de uma quietude confortável porque não esperávamos nada uma da outra. Muitos se enganam desmerecendo as ambições infantis. Mesmo as que corriam à nossa volta queriam, das outras crianças, ganhar rir, mexer-lhes nos cabelos, rolar sobre a areia. E correr. Eu aceitava dela um pedaço do sanduíche. Ela, um gole do meu suco. E só.

Conversávamos bastante. No entanto, às vezes, como quem nada diz. "Tenho dentista hoje", eu disse uma vez. "Morro de medo e você?" E eu orgulhosa "Nem um pouco." e sorríamos sem nos espantar. Ela nunca era novidade: Linda era como uma extensão alourada e miúda de mim.

Não que não fôssemos crianças comuns, de modo que brincávamos, brigávamos - nunca entre nós -, fazíamos as lições, errávamos os exercícios e vibrávamos com os esportes no recreio. E corríamos. Nossa unidade serena era do tipo que algumas pessoas passam a vida sonhando em ter e parecem procurar em todo lugar, exceto numa escolinha provincial, no meio de duas menininhas, apagadas e inocentes.

Depois de um intervalo que passei sem ver Linda, ela entrou atrasada na sala, com o rosto vermelho e molhado de dar dó, alcançando um nível novo de pureza, agora frágil. Ela se sentava na minha frente e eu mal levantei os olhos à chegada polêmica. A professora, ocupada com o outro lado da classe, não notara nem tampouco a maioria dos alunos. A aula prosseguia normalmente.

Os colegas próximos a nós que, não por coincidência, eram-nos os mais afetuosos, miraram-na curiosos e lhe ofertaram uma tonelada de perguntas doces e docemente inquisitivas. Ela se mantinha calada, familiar ao silêncio como eu sabia que era. Muda sem desespero. Mas triste. Os olhinhos preocupados dos outros voltavam-se, então, a mim, indecisos e sem entender se as lágrimas separavam Linda de mim ou se ainda eu poderia lhes amansar a curiosidade. Eu acenava tranquilamente, com todos os meus sete anos, mesmo sem saber o que a fazia chorar com mais precisão do que os outros. Eu era como uma extensão morena e crescida dela.

De Linda de costas eu só via os fios louros e Linda não me via (Por quê chorava não caberá a este texto revelar. Caso encontrasse Linda hoje, ela talvez risse de tanta desimportância. Acho que tudo isso foi por demais irrelevante e decisivo, como são os acontecimentos dessa remota infância) e, embora não me visse, quando a toquei no ombro - nada perguntaria, só o toque já iria dizer - ela já olhava pra mim. Me flagrara o movimento ou antecipara-o? Os olhinhos úmidos agradeceram e, com os mistérios de si, questionaram-me graves: "Vai dar tudo certo?", me flagrando e antecipando agora o consolo clichê.

E, bom, deu."

Quem escreve

                   

20 anos, estudando história, a doida do violão e da piada do pavê. Acabei deixando a escrita de lado por falta de tempo e incentivo, mas com uma dorzinha no coração.

2 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Para eles - por Sara Tude



Para eles não é com quem eu me deito
Para eles não é com quem acordo
Para eles é quem assina
Para eles é quem dissemina
Para eles não é quem me faz rir
Para eles não é quem me faz gozar
Para eles é quem aparece
Para eles é o que parece
Para eles não é sobre ser feliz
É sobre ser correto
Para eles não é sobre ser família
É sobre ser estatuto
Para eles não é sobre fé
É sobre religião
Para eles não é sobre aceitação
É sobre negação
Para eles não é sobre escolha
É sobre tradição 
Para eles não é sobre liberdade
É sobre sacrifício
Para eles não é sobre sentir
É sobre escolher
Para eles não é sobre querer
É sobre poder
Para eles não é sobre corpo 
É sobre sexo
Para eles não é sobre desejo
É sobre trauma 
Para eles não é sobre afeto
É sobre carência
Para eles não é sobre beleza
É sobre aparência 
Para eles não é sobre gosto
É sobre vício 
Para eles não é sobre ser
Para eles não é sobre amar
Para eles não é sobre Deus
Para eles eu não passo de um conceito
Muito bem estruturado
Totalmente programado
Para carregar a minha cruz
Enquanto só o que eu quero
É ser

Quem Escreve


                                      


Me chamo Sara, tenho 19 anos, sou geminiana, artista, bailarina, poetiza, professora de dança contemporânea e apaixonada pela arte em todas as suas formas de expressão.

2 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Sobre lugar de fala, repercussões e trolls de internet

Troll: aqui não
No começo de tudo, eu tive a ideia do blog Elas por Elas – Projeto Literário. A intenção era criar uma plataforma de empoderamento feminino através da literatura. Pouco tempo depois, ele começou a abordar diversos conteúdos feministas, ganhou colunas e categorias.

E então eu resolvi criar conteúdo próprio para a página, para dar uma alavancada. E deu certo. Semana passada tínhamos pouco mais de 200 curtidas, e da última vez que olhei estávamos quase atingindo as 2 mil. Um único post, um fluxograma sobre lugar de fala, trouxe todas essas pessoas para cá. E isso eu agradeço, de coração.

Mas ele também trouxe problemas. Uma página opressora compartilhou nosso post, com um texto sobre “liberdade de expressão” defendendo o direito de todos falarem, mesmo que ofendam alguém. E, com isso, vários usuários dessa página inundaram minha postagem, às vezes com críticas, mas na maior parte do tempo com ofensas.

Antes de tudo, um esclarecimento: lugar de fala não é sobre silenciamento das maiorias, mas sobre garantir o espaço da minorias. É sobre respeitar seus pontos de vista sobre algo que eles mesmos vivem. E é sobre não engrossar o grupo dos que calaram e calam suas vozes por anos.

Também recebi comentários compreensíveis de pessoas que diziam que só se pode analisar o discurso do opressor se ele falar. Mas eu, particularmente, achei que estava claro que o fluxograma não era para quem pretende reforçar opressões (de que adiantaria?), mas para aqueles que querem contribuir com as lutas, mas acabam cometendo erros.

Eu também não acredito em uma plena liberdade de expressão, não na prática, uma vez que discursos levam a consequências. E nessas consequências, muitas vezes, se inclui o silenciamento de parcelas da população. Por isso, entre endossar a “liberdade de ofensa” e incentivar o respeito pela fala daqueles que foram historicamente calados, sempre optaremos pelo segundo.

Isso tudo além do fato de que desconstrução leva à mudança de pensamento, e não necessariamente você precisa agredir alguém verbalmente e expor seus preconceitos e paradigmas para repensá-los: muitas vezes, basta parar para ouvir o que o outro tem a dizer.

Dito isto, quero deixar transparente a política do blog e da página: debates são saudáveis e desejáveis, desde que um lado esteja disposto a ouvir de verdade o outro. Por isso não vamos aceitar comentários de usuários que reproduzam discurso de ódio, deboches ou qualquer crítica destrutiva. É ruim para a página, mas principalmente é ruim para nossa saúde mental. Trolls não serão bem-vindos. Se preciso, chamamos o Harry, o Ron e a Hermione pra ajudar a derrotá-los. E se eles não puderem vir, quem insistir em trollar se encaminhará para este endereço:


0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Seios - por Sara Tude


Reprodução/Pinterest
         

Redondos, ou não
Firmes, ou não
Proporcionais, ou não
Grandes, ou não
Pequenos, talvez
Ou nem tanto assim
Caídos, ou não
Iguais, ou não
Naturais, ou não
Com leite, ou não
Fabricados, talvez
Ou nem tanto assim
Sejam como forem, mulher
São teus
E são assim
Também formam a tua beleza
É teu corpo, mulher
Se ame assim
É teu o seio
É tua a madre
São tuas as curvas
É você
É teu o coração
Que o teu próprio seio esconde
Guarda
É a tua casa
E é linda assim.


Quem escreve 

                                                  

Me chamo Sara, tenho 19 anos, sou geminiana, artista, bailarina, poetiza, professora de dança contemporânea e apaixonada pela arte em todas as suas formas de expressão.

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

O casamento entre a hipocrisia e o preconceito



Ontem à tarde, ao entrar no ônibus, me deparei com uma conversa que estava acontecendo no banco de trás, que chamou muito minha atenção (não que eu fique prestando atenção em conversa de ônibus). O diálogo se passava entre um pai e sua filha: 



"_ Mas pai, não tem problema algum. Tem tanta gente por aí que tem tatuagem.

_ Você não é 'tanta gente'! Não vai fazer tatuagem nenhuma.

_ Mas...

_ Gente tatuada tem problemas para arrumar  emprego, é chamado de maloqueiro, vagabundo ou bandido. A pessoa pinta o corpo, achando que é bonito, que é ter personalidade própria, ser diferente e mais um monte de outras coisas. Mas depois que amadurece vê que é a maior burrice. Que não trás nada de bom. Só atrapalha..."



A conversa continuou, mas eu havia chegado em meu ponto e tive de descer. Só que antes eu me virei para dar uma olhada nas pessoas que conversavam; uma menina de aparentes 14 anos e um pai com um dragão vermelho desenhado no braço esquerdo! o.O



Aquela imagem me fez rir, mas um riso de espanto. É incrível como a hipocrisia, a intolerância e o preconceito estão muito mais perto e presentes do que parece. Como alguém que se tatuou é capaz de dizer ao filho que isso é uma "burrice"? O homem praticamente disse que, quando crescemos, nos entregamos aos preconceitos da sociedade. Ele se assumiu um ser humano incapaz de se manter naquilo em que acredita, preferindo se curvar ao controle imposto pelos intolerantes.



E não é apenas com tatuagens, pensamentos como os dele estão ao montes por aí, acontece com muitas outras pessoas. Um padre que não respeita as crenças de um monge; um branco que se acha melhor que um negro; ou um negro que pensa ser mais que um branco; uma bailarina que critica um estilo de dança diferente do dela (e esses são exemplos até "pequenos"), enfim, um infinito número de hipócritas preconceituosos existentes ao nosso redor.


É incrível como podemos nos achar no direito de criticar alguém sem antes olhar para os próprios erros... Não, 'erros' não é a palavra, afinal de contas, ter uma visão diferente das coisas não é um erro. Criticamos sem considerar nossas próprias atitudes. Aquele homem do ônibus já agiu de uma forma que, hoje, condena de forma agressiva, contribuindo para a dissipação de discursos ofensivos contra quem é diferente, contra ele mesmo.



Inacreditável como é gigantesca a 'habilidade' que alguns homens possuem para ser hipócritas e cínicos. Não importa o que ele tenha feito ou venha a fazer, o problema se dá quando outros estão fazendo. Somos capazes de enxergar erros nas atitudes de quem está ao nosso redor. E, na maioria das vezes, temos uma atitude igual.



A verdade é que deveríamos abrir nossos olhos e mentes. É óbvio que não somos iguais, com diferentes ideias, gostos, atitudes, crenças, tipo físico. E, pelo que parece, uma outra coisa que é muito igual é a ignorância humana. Quanto tempo teremos de esperar para enxergarem que esse é o motivo das tristezas que assolam nosso mundinho?

A propósito, vou fazer ,minha primeira tatuagem! E meu pai pensa como o pai do ônibus.

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Me mandaram calar a boca

Imagem: reprodução/internet

Quando eu era pequena, costumava ser faladeira. Vejo vídeos de quando eu tinha uns 5 anos e imagino o quanto devia ser irritante ver aquela miniatura de gente com aquela vozinha esganiçada tagarelando pela casa afora. Eu lembro que também chateava meus colegas de classe e professoras de tanto que eu falava. Eu prestava muita atenção na aula, mas eu gostava de falar. Então me mandaram calar a boca.

E eu me calei. Me calei por anos, ao ponto de, na adolescência, ouvir um “ó, ela fala” depois de algumas semanas numa escola nova. Desenvolvi uma timidez muito grande, medo de me expressar, medo de ser julgada. Também passei a falar baixo (coisa que faço até hoje), e mesmo no único lugar onde eu me sentia à vontade para me expressar (em cima de um palco), eu ouvia meus professores mandarem eu falar mais alto.

Mas dessa vez eu não falei mais alto. Continuo com a voz baixinha, continuo me sentindo à vontade para falar muito apenas entre conhecidos, continuo achando que os incomodo com minhas conversas chatas. Ainda tenho medo de falar algumas coisas que acabam ficando apenas no pensamento, mesmo estando numa roda de conversa. Meu coração ainda palpitava no último ano de faculdade, nas poucas vezes em que eu tinha coragem de levantar a mão em classe.

Não me mandaram calar a boca apenas uma vez, e nem só com palavras. Me mandaram calar a boca praticamente todas as vezes em que eu falava. Sim, recebi castigos mais severos que o aceitável por falar demais, mas ainda acho que esse foi o menor dos fatores. Me mandavam calar a boca quando debochavam do que eu falava, quando me ignoravam por gostar de coisas diferentes dos meus colegas, quando não respeitavam minhas opiniões. E eu, em fase de desenvolvimento, fui acreditando que eu merecia mesmo era calar a boca.

Mas um dia eu descobri que eu não precisava tanto assim da boca para me expressar. Conheci a escrita, e todas as possibilidades que ela me dá. Comecei na literatura amadora, então cursei Jornalismo, e descobri causas sociais. Virei feminista. Ainda escuto calada quando algumas pessoas destilam bobagens, mas não poupo mais palavras quando tenho a oportunidade real de escrever. E não, eu não vou mais me calar.

4 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Sara - por Rebeca Almeida

 
Reprodução/Internet

De certa forma, aquele vestido florido era perfeito para o dia. Sara soube disso assim que terminou de abotoar todos os botões, que iam desde a altura do peito até a barra da saia florida. Ela se encarou no espelho por alguns instantes, não precisou de mais que cinco minutos para se arrumar. Não era dada a muita vaidade, e por mais que ainda fosse jovem, costumava de vestir como uma senhora. Pegou um grande chapéu de palha e colocou na cabeça, escondendo os longos cachos dourados. Depois, pegou o pouco dinheiro trocado que tinha e colocou no bolso do vestido. 

Quando chegou na sala, Roberto já estava pronto também. Ele usava uma camisa social branca, cuja qual Sara teve grande dificuldade para deixar alva daquela maneira. 

- Bom dia, querido!

- Ela disse enquanto beijava sua bochecha e dava para ele seu melhor sorriso. Ele não retribuiu, ficou murmurando alguma coisa, ao mesmo tempo em que lia o jornal matinal. 

Ele já havia feito café e se servido, então ela pegou apenas um caneca no armário. Sentou-se na mesa e começou a passar mateiga em um pedaço de pão. Ricardo não tirou a cara de trás do jornal. Sara teve que se contentar com o rosto de algum político corrupto estampado no papel.

- Você dormiu bem? – Ela perguntou com a boca cheia de pão.

- Pare de falar com a boca cheia. E anda logo, temos que sair daqui a pouco.

Enquanto terminava de comer, também deu uma olhada no periódico, no caderno de entretenimento e depois nas manchetes de um modo geral. Não teve muito tempo de ler com calma porque assim que Roberto terminou de comer ficou apressando a esposa para que saíssem logo.

- Já são 8hs, já devem estar nos esperando. Vamos.

- Calma - Ela respondeu com um sorriso. Estava muito feliz para se preocupar junto com o outro.

- Eles marcaram oito e meia, já são oito e nós ainda nem saímos de casa! - Ele estava começando a ficar mais chateado que o normal.

- Tudo bem, deixa só eu deixar a caneca na pia. Ela foi até o local, deixou o objeto lá e depois colocou a mão no bolso. Roberto já estava na frente do carro nesse meio tempo.


Finalmente entraram no fusca vermelho bordô e ele seguiu dirigindo até a rua principal.

Depois seguiu rumo à autoestrada. Estavam ambos calados desde que saíram de casa. Ele olhava fixamente para frente enquanto ela estava perdida em reflexões. Algum tempo passou até que Sara cortou o silêncio:

- Querido, por favor, pode parar aqui?

- Pra quê?! - Ele perguntou, já nervoso. Roberto tinha o defeito de perder a paciência com qualquer coisa que Sara pedia. Sara por sua vez, passou tempo demais tentando ter paciência com esse defeito dele.

- Por favor, é rápido. - Ela tentou bajular.

- Não! Aguenta até lá, a gente já está atrasado.

- Roberto, pára o carro ou eu estouro seus miolos. - Ela falou subitamente, com um pequeno revólver encostada na têmpora do homem.

Roberto tomou um susto, esboçou um sorriso e perguntou se Sara tinha enlouquecido.

- Pra falar a verdade, eu nunca estive tão sã em toda a minha vida. - Ela respondeu com seu melhor semblante. 

Depois, atirou. Um único disparo fez com que os miolos se espalhassem e sujassem parte do carro. O veículo derrapou até o acostamento. Sara que estava segurando a arma com luvas, com cuidado colocou o objeto nas mãos do cadáver e saiu. Andou por algum tempo, cerca de dois quilômetros. Depois pediu carona e conseguiu de um caminhoneiro. Ele ia até a cidade vizinha, disse. Ela sorriu, respondendo que era exatamente para onde queria ir. Na chegada deu algum dinheiro para o homem. Depois foi até a rodoviária pegar um ônibus para outro estado.

Quem escreve

                       


Rebeca Almeida é baiana, estudante jornalismo, escritora e desenhista. De modo geral gosta de coisas “nerds” mas odeia ser enquadrada nesse rótulo. Na verdade não gosta de rótulos de forma alguma

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

MEU REAL – PARTE 1

Reprodução/Ultra Curioso
 
Ao chegar da noite, ela sempre corria para as estrelas.


Céu escuro, nenhuma nuvem, a bela lua, os astros reluzentes,... esse era o seu cenário preferido. A noite, as árvores e ela. Era assim que se sentia a vontade para se abrir. Talvez porque as estrelas, ao ouvirem seus desejos, não a criticavam. Ao contrário, elas cintilavam juntamente com o seu olhar.


Você não deve estar entendo, vou começar do início. Era uma vez...


Uma garota cheia de medos, sonhos, limitações, planos e dúvidas. Principalmente dúvidas! Ela não sabia quem queria ser, aliás, ela queria ser muitas pessoas. O que ela não sabia é quem era de verdade.


Não lhe faltavam inseguranças. Daí todo aquele receio em se mostrar, era melhor ser como todos eram, como todos queriam que fosse. Por isso, ao chegar da noite ela corria para as estrelas, pois elas sabiam ouvir todos os seus anseios. A lua iluminava seu coraçãozinho sonhador. Era apenas com aquelas amigas que ela se sentia segura para "se sentir" de verdade.


Mas era necessária uma mudança, uma libertação, ela precisava sair das sombras dos outros, precisava se libertar do medo que sentia dos outros.


Esse dia chegaria. O momento certo em que as estrelas a levantariam alto o suficiente para que todas as galáxias ouvissem quando ela gritasse: 

 _ Essa sou eu, isso faz parte de mim. Ninguém me impedirá de ser/fazer o que amo. Nem eu mesma!

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Mulheres que representam!

   


Oi pessoal. Tudo bem com vocês? Querem que fique melhor? Então vieram ao lugar certo.

O post de hoje será um dos queridinhos dos fãs da representativa, pelo menos eu me senti super representada. Quem não se sentiria? Como lançamento da coluna "Mulheres que amamos", trago para você uma lista com cinco lindas desse planeta que aproveitam seu tempo para melhorar nosso mundinho.

Sejam famosas ou não, essas manas possuem muito o que falar e fazer. Eu as tenho como algumas de minhas inspirações. Suas atitudes e escolhas de como se posicionar perante a sociedade servem para nos ensinar sobre lutas, sejam em âmbito pessoal e/ou através da união. As descrições que fiz sobre cada uma podem ser curtas, mas de forma alguma diminuem a grandeza de suas existências.

Vamos as apresentações?

  • Catharina Dória

4-catharina-doria
Fonte/Internet
Catharina Doria é uma estudante que, com apenas 17 anos, decidiu trocar sua viagem de formatura para poder usar o dinheiro na criação de um novo aplicativo, chamado “Sai Pra Lá”. A intenção dele é mapear casos de assédios nas ruas. O app facilita a denúncia, divulga os lugares em que há esse tipo de ocorrência e intimida os agressores.

  • Amandla Stenberg

Fonte/Time
A atriz é inspiradora não só pelo trabalho que faz, como também por seu posicionamento contra o racismo na Internet, manifestando-se contra a apropriação cultural e o estereótipo da “mulher negra raivosa”. Nesse vídeo, MARAVILHOSO, podemos ver como o posicionamento da Amandla é importante nas lutas que ela representa. Ela também entrou para a lista dos “100 Adolescentes Mais Influentes do Ano” (de 2015) da Revista Time e está envolvida com a “Partilhe nossa Força”, organização que luta para acabar com a fome infantil nos Estados Unidos.

  • Kaol Porfírio

Fonte/Twitter
 Kaol é ilustradora, desenvolvedora de jogos, gamer e criadora da maravilhosa série “Fight Like a Girl” (“Lute Como Uma Garota”), que destaca guerreiras inspiradoras de games, filmes, séries e também da vida real. A ideia até original uma coleção de camisetas que é vendida em parceria com a Toda Frida, pra você ajudar a passar a mensagem pra frente e mostrar que lutar como uma garota é motivo de orgulho!


  • Camila Pitanga


Fonte/Internet
A atriz brasileira foi a primeira personalidade das Américas a receber o título de embaixadora da ONU Mulheres. Ao entrar no site ONU Mulheres, encontramos as seguintes realizações dela: "diretora geral da ONG Movimento Humanos Direitos, onde se dedica contra o trabalho escravo, abusos contra crianças e adolescentes e na promoção de direitos de jovens negros, quilombolas, povos indígenas e meio ambiente; foi conselheira da WWF e apoiadora de campanhas da Anistia Internacional “Jovem Negro Vivo – #EuMeImporto”; do Greenpeace contra o desmatamento; do MhuD contra a prostituição infantil e contra a terceirização do trabalho", e essas são só algumas de suas realizações. Que mulher!

  • Gabourey Sidibe

   


Gabourey é uma atriz norte-americana que atua na serie "Empire", onde protagonizou uma cena de sexo explícito ao lado do ator Mo McRae. Por causa disso, ela sofreu ataques nas redes sociais por conta de seu físico, negro e gordo. Ela não se abalou e ainda inspirou a hashtag #MyFatSexStory (Minha Grande História de Sexo, no trocadilho em inglês), onde usuárias e usuários reagiam contra a gordofobia.

Ficaram fã que eu sei! Mas não acabou por aqui, eu trarei muitas outras mulheres para amarmos. Obviamente, como somos um blog que colabora e recebe colaborações, queremos que tragam suas inspirações aqui pra gente. Eu sempre fico feliz quando conheço mais ações representativas, o poder delas sempre nos trará mais e mais exemplos como os dessas mulheres.

Espero que vocês gostem de ler tanto quando gostei de escrever e que o exemplo delas entre em seus corações e não sai mais!

4 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Sobriedade Ébria

Imagem: Reprodução/Internet
Acordo com a cabeça ainda rodopiando sem parar. Nos ouvidos parece que entra uma banda inteira de percussão que, auxiliada por um zumbido distante, cria uma música mal orquestrada. O corpo parece sustentar o peso de um lutador de sumô, mesmo ocupando pouco mais que o espaço de uma bailarina. 

Antes de levantar, levo as mãos lentamente ao rosto, detectando crostas de rímel e delineador onde não deveriam estar. Ótimo. Como se minhas olheiras precisassem de ajuda para ficarem mais escuras. Mas já estou acostumada a não ser uma bela visão pela manhã. Com a aparência de uns 40 anos e os reflexos e a velocidade de pensamento de uma senhora de 80, não seria um pedaço de papel plastificado que me convenceria ter apenas 27.

Depois de quase cinco minutos parada na mesma posição, baixo o braço e percebo uma presença da qual me esquecera. Ao meu lado ainda repousa em sono profundo um conjunto de ombros largos, pernas compridas, barriga um pouco saliente e cabeça de menino. Não consigo reprimir a raiva por aquele rosto angelical permanecer imaculado, enquanto o meu parece o retrato do inferno.

Pudera, aos 22 anos minhas ressacas também eram leves como a dele. Como eu fui ficar tão mais suscetível aos efeitos do álcool em apenas cinco anos? Ok, antes eu era mais fã de cerveja e vinho, e minha inseparável companheira atual, a vodca, sempre teve a fama de arrasadora. Mas não dá para negar que as visitas que ela me fazia naquela época não deixavam tantos estragos.

Ainda remoendo a inveja pelo novinho, me levanto, tentando tomar o cuidado de não acordá-lo. No fundo, acho que eu poderia cair sobre ele que não o despertaria. Quais são as chances de um organismo tão fresco e vivo ter entrado em coma alcoólico? Não, seria muita canalhice se mesmo assim ele continuasse bonito. E eu posso ter levado muita pancada da vida, mas sei que ela não pode atingir esse nível de injustiça.

Vou cambaleando até o banheiro, desesperada por uma ducha gelada antes de ir tomar um café bem preto. Passo reto pelo espelho, tentando evitar o contato com meu reflexo até mesmo pela visão periférica. Com certa dificuldade, puxo a porta de correr do box; aquela porcaria sempre trava, e é lógico que ela iria fazer o máximo de barulho justo quando eu quero ser silenciosa. Mas, aparentemente, isso não incomoda o rapaz na minha cama.

Entro e vou direto abrir o chuveiro, distraída. Foda-se se eu molhar o resto do banheiro todo, depois eu seco. Melhor que sofrer de novo para fechar essa porcaria dessa porta. No entanto, segundos antes de a água começa a cair, percebo uma calcinha pendurada na torneira. Turquesa, toda de renda e definitivamente não é tamanho PP. Não é minha. Eu só uso preto ou branco e sempre de algodão, porque é o máximo que se consegue fazer quando compra lingerie – e qualquer roupa, na verdade – na sessão infantil.

Aí sim, finalmente, minha amnésia alcoólica vai passando. Maldita vodca. Primeiro, me vem um flash daquela mesma calcinha, dessa vez envolvendo um corpo bem mais desenvolvido que o meu. De pele morena, cheia de curvas e apresentando uma desenvoltura de fazer inveja ao tirar a calça jeans. Os olhos fixos nos meus, enquanto o garoto (que agora dorme feito uma pedra) beijava sua nuca. Mas a lembrança das ações dele são borradas, porque claras me vem apenas as dela.

Logo em seguida, me recordo do sorriso que ela me deu no bar onde eu estava com esse rapaz, num encontro às escuras organizado por uma amiga em comum. Além de bonito, ele era até interessante e eu nunca me incomodei com idade, mas sua falta de atitude durante a conversa denunciava: se não era virgem, só transara com uma única pessoa. Com esforço, me obrigava a lembrar de que ele estava saindo de um namoro longo e o dava um desconto.

Mas isso não foi o bastante para que eu evitasse trocar olhares com aquela morena que me comia de longe. Vez ou outra eu sorria de volta, quando o garoto levava o copo de caipirinha à boca e me ignorava por uns segundos. Ela demorou mais umas três doses nossas e duas dela para vir nos abordar em nossa mesa. Àquela altura nossa conversa estava descontraída, mas nada íntima, então nenhum dos dois se opôs à sua interação.

Ela disse que se sentia incomodada de beber sozinha na outra mesa e que já havia visto meu companheiro de conversa umas duas vezes na faculdade. Isso fez com que eu me perguntasse se ela era tão jovem quanto ele – o que não parecia. Minha dúvida foi esclarecida com alívio quando ele se recordou de que ela era veterana do curso em que ele havia acabado de ingressar.

Depois de mais umas duas doses, nós três parecíamos amigos de longa data e ríamos e conversávamos alto demais para um bar tão pequeno. Eu sentia o olhar crítico dos outros frequentadores atravessando a nossa pele, e parecia que não era a única a perceber. Num rompante, ela se lembrou de que havia uma baladinha open bar rolando ali no bairro. Até que não era má ideia. Concordamos.

Ela se levantou e me puxou pelo braço, fazendo subir um calafrio pela minha coluna. Esse verão infernal nos obriga a sair com roupas frescas até à noite, então nossa pele não podia deixar de se roçar. Ao garoto ela apenas estendeu a mão, que ele logo apanhou e lá fomos nós, um apoiando o outro, atrás da próxima parada da noite.

Outro flash me vem à mente, dessa vez de nós duas dançando juntas e provocativamente na pista, enquanto nosso parceiro de noitada apenas nos observa. Nenhum dos três podia reclamar de não estar se divertindo. De olhos sempre colados uma na outra, estávamos mais soltas que nunca. Antes de finalmente partirmos para o meio da multidão, tomamos mais uns três ou quatro drinks na periferia da balada. 

Com o efeito do álcool a toda, eu só queria extravasar. Enquanto dançávamos, íamos nos aproximando mais a cada segundo, o primeiro passo sempre dado por ela. Logo estávamos a poucos centímetros de distância, distância essa ficando ainda mais curta dependendo do movimento que fazíamos na dança. Para sua surpresa – e minha também, lembrando agora – fui eu quem aboliu por completo o espaço entre nós e levei meus lábios aos dela. E foi só o primeiro dos vários beijos que demos àquela noite.

Em seguida, me assaltam várias imagens de nós três no meu apartamento, nossos perfumes misturados ao cheiro do álcool que exalava não apenas de nossas bocas (quase sempre ocupadas umas com as outras), como de nossos corpos cada vez mais quentes. Eu tentava aproveitar ao máximo aquelas duas pessoas ali em minha presença, mas minha atenção sempre se voltava para ela. Não que o garoto estivesse se saindo mal, mas ela parecia ter uma força intensa que me atraía de forma inexplicável.

Ela, por sua vez, parecia não estar muito preocupada em dividir seu tempo entre nós dois. Dava atenção para ele apenas de vez em quando, quase sempre porque eu estava fazendo o mesmo. Seu interesse parecia ser mesmo em mim. Não foi difícil desconfiar que ela desejava que estivéssemos apenas nós duas naquele lugar. Em geral, era a minha boca que ela beijava, o meu corpo que ela explorava e o meu prazer que ela propiciava.

Mas... E agora? Onde ela está? Antes de entrar no banho não ouvi qualquer som que denunciasse sua presença, nem percebi qualquer outro traço seu antes dessa calcinha pendurada na torneira. Minha última lembrança da noite anterior foi de ter adormecido entre meus dois parceiros, então também não vi quando ela acordou. Agora me lembro que ela não me disse seu nome... 

Por ideia dela, nos chamávamos por apelidos a noite toda. Ideia de bêbado, mesmo. Eu era Lolita, menção ao meu pequeno tamanho. O rapaz (cujo nome eu até sabia, mas agora simplesmente não consigo me lembrar) era Romeu. E ela era Capitu. Não poderia ser mais preciso. Não apenas seus olhos eram de ressaca, como suas lembranças só fazem piorar a ressaca pela qual passo agora. Ela veio como uma onda e foi embora da mesma maneira, sem nem se despedir...

Só quando já estou fechando o chuveiro que percebo que me esqueci de pegar uma toalha. O banheiro já está todo molhado, e o calor continua infernal, então corro até a porta para pegar uma e me secar. Dessa vez sem me preocupar com a visão periférica, uma imagem fora de foco chama minha atenção e paro no meio do caminho, me voltando para o espelho. O vapor atrapalhou um pouco a nitidez da escrita feita com batom vermelho – o mesmo que ela estava usando na noite anterior –, mas ainda dá para ler perfeitamente. 

Fico por alguns segundos ali parada, encarando o espelho, que reflete meu corpo mirrado e meus seios minúsculos. Mas agora eu já não ligo para minha aparência de pré-adolescente. A água escorre de mim e molha o pouco do chão do banheiro que ainda estava seco, e isso também não me incomoda. Tudo que faço é sorrir e continuar encarando a mensagem. Em seguida pego minha toalha, me seco e me enrolo nela. Saio do banheiro cantarolando uma das músicas da balada da noite anterior. 

Dirijo-me novamente para o quarto, tiro o pedaço de pano que me envolve e me deito novamente ao lado do garoto. Dou-lhe um beijo de leve na boca, o que o faz se mexer e resmungar um pouco. Não está em coma, afinal, ainda bem. Não ia gostar de ter de levar ninguém ao pronto socorro a esta hora. Só me ocupo de fechar bem meus olhos e adormecer novamente, quem sabe até sonhar com a minha Capitu. Se for para encarar uma ressaca, que seja a dela, então.

39 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

'A garota do trem' de Paula Hawkins


Como boa leitora, estou sempre à procura de livros, às vezes com listas intermináveis no meu Skoob, outras com a sensação de que não tenho nada que poderia me agradar. Enfim, um dilema muito comum entre os aficionados por linhas e mais linhas que teimam em acabar – sem mencionar, é óbvio, o desejo utópico de uma vantagem financeira que desse conta de uma sala de leitura repleta de obras a serem devoradas (e compartilhadas) no decorrer da minha vida. Mas, embora a fantasia, atualmente optei pelo uso de e-reader. E não é que gostei?!

Já meio cansada de romances, me deixei levar por opções mais atípicas ao meu roteiro de leituras, e foi aí que descobri o thriller da escritora Paula Hawkins: “A garota do trem”, ou no original “The Girl on the Train”. Confesso que, a princípio, julguei que lidaria com uma trama muito próxima ao que foi proposto em “Gone Girl” (Garota exemplar), mas me enganei. Ainda que ambos tenham me agarrado pelas pernas, o livro de Paula Hawkins alimentou minha curiosidade logo nas primeiras páginas e, admito, confundiu pretensões anteriormente impostas aos personagens – todos eles.

Narrado sob o ponto de vista de três mulheres (ou seria apenas uma entre elas?!), a posição assumida pela autora me persuadiu a “favoritá-la” na memória. Com isso feito, passei a indicá-la a amigos e companheiros dessa saga tão injusta imposta a nós leitores: tanto para ler, e tão pouco tempo para existir. Pois bem, sustentado pontos imprescindíveis que me mantiveram fiel à leitura, cabe ressaltar que o que mais me chamou a atenção no texto foi a ruptura de padrões propriamente assegurados às mulheres da maioria dos livros com os quais tenho lidado – pois o ato da leitura requer manejo com as emoções, percepções e inferências.

Inicialmente ao estilo Bridget Jones, a protagonista Rachel conseguiu, na verdade, despertar lados mais sombrios e desconexos acerca da própria natureza humana. Movida pela curiosidade e, por que não, pela obsessão, a personagem parece dialogar com inúmeras situações de conflito não tão inverossímeis à nossa própria condição em sociedade. Logo, alcoolismo, traição e a sensação de vazio atravessam várias etapas da trama que não se entrega antes das últimas páginas.  Cabe a nós, como leitor, oscilar entre a compaixão dada aos personagens, mas, igualmente, a convicção de que ora ou outra nós também nos entregamos à confusão de alguns sentidos.

Como não tenho a intenção de estragar impressões futuras, o que me resta é um convite à leitura. Então leia! E se de tudo isso que escrevi até aqui, algo lhe fez certo sentido, vai lá, corra para mais uma obra. Afinal, o que é mais um livro para quem já se rendeu ao universo inesgotável da criação literária?!  E se você, assim como eu, já leu esse livro, comente aqui o que achou. Ah, e se quiser me dar dicas de livros, meu Skoob vai adorar receber novas listagens...Um dia eu leio! Como tudo na vida. 

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Amar-se - por Luara Alves de Abreu

Reprodução/Internet

Ela tinha fome de amor. Ele tinha fome de atenção. Podiam combinar sim, tinham lá suas compatibilidades, vez ou outra assistiam aos mesmos filmes sem nem planejar e tinham os mesmos comentários sobre os conhecidos em comum. Mas quando as fomes são diferentes, o lugar onde se buscam apetites são outros, outras formas, outros corpos, outras bocas.


Ela tinha Vênus em leão, se entregava sem pensar duas vezes e sabia cativar, mal sabia o quanto abusavam da sua boa vontade. Ele nem ao menos o significado de cativar sabia. O significado de receber ele sabia sim e muito bem. Recebia tanto que mal dava conta de segurar. Era como minha vó dizia, para ele era “só venha a nós e ao vosso reino nada!”


Era um casal estranho e um tanto quanto infeliz. Um dia ela percebeu isso e disse que faria as malas, que iria embora sem data para voltar. Ele fez jogo baixo, chantagem emocional, disse que ela estaria desistindo de tudo. Ela sequer ouviu, fechou o zíper e pegou o próximo avião disponível para a viagem que há anos guardava dinheiro.


Até hoje ele a espera voltar para ignorá-la fingindo não se importar, mas ainda assim esboçar um risinho no canto de boca como quem pensa “ela ainda pensa em mim”. Não assume, claro. Até porque arrumou outra pessoa, outro emprego, faz suas coisas, segue sua vida, cria outras ilusões. Mas nunca, nunca mais viu um sorriso com lábios rosados e carnudos iguais aos dela. Nunca mais ninguém o fez dormir com canções românticas. Nunca ele conseguir matar por completo a sua fome de atenção.



E ela? Ela se deu conta que não tava desistindo de tudo não, pelo contrário, estava insistindo nela mesma. Matou finalmente sua fome de amor. Se deliciou ao descobrir seus prazeres. E não há amor mais real e sincero que esse, o amor próprio!


Quem escreve



Luara é geminiana com ascendente em câncer. Intensa por natureza, socióloga por profissão, atriz por paixão, bailarina por amor e feminista por dever!

2 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Carta para a nova geração de mulheres - por Luara Alves de Abreu




Hoje os amores da titia fazem dois meses de vida e como coincidentemente é Dia Internacional da Mulher, vai ter post especial!


Meninas, não gosto muito de chamá-las de princesas, porque na maioria das vezes, a ideia de princesa remete a uma mocinha indefesa a espera de um príncipe. Vocês não são nem indefesas nem precisam de um príncipe. Vocês são guerreiras desse o ventre! Heroínas por terem sobrevivido a uma gravidez de risco.


Vocês continuarão sendo guerreiras por suas raízes também. Netas de nordestinos, negras pelo colorismo e além de tudo, mulheres. Que no futuro entendam a importância desse dia!


Não sei como vai ser o mundo quando vocês crescerem, mas atualmente há muito machismo, muita arrogância e ignorância, preconceitos de cor e gênero por todo lado e eu espero de verdade que vocês saibam lidar com tudo isso resistindo com a força que sei que têm! Empoderem-se! E no futuro, dêem um tapa na cara da sociedade. Vocês podem ser o que quiserem, se tem uma coisa que vocês podem, é poder! 


E isso inclui não serem mulheres, se não quiserem também, porque nós temos que estar cientes que gênero é construção social e pode ser que não necessariamente venha a corresponder ao sexo de vocês. Confesso-lhes que vou querer enfeitar vocês com os adereços que dizem ser ~de menina~, mas vocês não são obrigadas a seguir nenhum padrão que não as fizerem bem. Nem de gênero, nem de beleza. Toda mulher é linda a sua maneira. Encontrem a de vocês, não há necessidade de se adequarem a formas prontas. Lindo é ser livre!


Unam-se! E não só por serem irmãs de sangue, mas porque a sororidade é a forma mais eficaz de derrubar o patriarcado. Nós não precisamos competir!



O impossível não existe, mas é preciso crer. Transbordem-se. Permitam-se e sejam felizes!

Quem escreve








Luara é geminiana com ascendente em câncer. Intensa por natureza, socióloga por profissão, atriz por paixão, bailarina por amor e feminista por dever!


0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Que me perdoem os monogâmicos, mas sexo a três é fundamental

   
                                                                                                 
Tomei a liberdade de parafrasear Vinícius de Moraes, com o único propósito de reconstruir percursos “monocromáticos” da nossa vida sexual, em especial, a das mulheres. Embora criada para ser criança, adulta e assalariada, portanto, sem paralelos que dispusessem e esquadrinhassem toda a lógica onipresente e, por que não, onipotente da sexualidade, tão logo compreendi as maravilhas inequívocas de um bom e prazeroso sexo a três. Encerrada em um quarto sem televisão e com horários para comer, dormir e estudar, desde pequena alimentei a curiosidade primitiva da espécie humana de se tocar, e foi aí que tudo começou.

Sob os lençóis de uma cama que mal me cabia em movimentos ainda desjeitosos, haja vista a tentativa incipiente de me fazer gozar, tentei exaustivamente descobrir meu corpo através da escuridão que monopolizava todo o meu quarto e que, hoje, a reconheço como metáfora de uma vida feminina, que, não raro, se mantém atada à necessidade de jamais enxergar – sua própria sexualidade.
 
Ainda zelosa nos cuidados inseguros de não me dizer erótica, libertina, ou qualquer outro termo carregado de problemáticas conservadoras que remontam aos primórdios da nossa sociedade, sempre me mantive fiel à experiência de mim mesma. Me toquei em pensamentos, entre linhas e trechos de livros desconexos ou criados para alavancar imagens de uma memória ainda pouco à vontade com as descobertas do auto prazer, me toquei com travesseiros, filmes, revistas e, enfim, me toquei com os dedos.

Desde então, descortinei tabus que maquiam a sexualidade e aprisionam pelos pés a mais audaciosa das mulheres. Agora grande, compreendo as vantagens de um dia ter me tocado e entendido, ainda que sozinha, que meu sexo e a capacidade de me autoamar já nascem comigo. Hoje, após, felizmente, também já ter descoberto os milagres de uma boa e bela lambida na boceta, me conservo partidária de um dedo no clitóris até que meus pés se comprimam e meu corpo ganhe uma pequena curvatura acentuada pela explosão súbita e impetuosa reproduzida por sinais sonoros que arranham todo meu corpo até ganhar os ouvidos do sujeito que integraliza a exigência nada pueril de um bom e saboroso sexo a três. 

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Uma 'desaventura'



De manhã, após se abrirem, os olhos iam se fixar no teto. Lá ficavam por dez, quinze, vinte minutos. Às vezes mais, às vezes menos, mas sempre lá. De vez em quando nem era manhã: comumente acordava após o meio dia. O pensamento não ia muito além daquele espaço com tinta descascada onde a vista se fixava. Era a letargia do despertar fazendo seu trabalho rotineiro.

Em seguida, o desjejum era emendado no almoço, e não raro comia arroz e feijão acompanhados de uma xícara de café. Se havia alguém na cozinha conversava banalidades: fofocas da vizinhança, programas da TV aberta, convites para aniversários da família. Às vezes ouvia alguma notícia sobre chances de emprego. “Vai lá, conversa com fulano, quem sabe você não consegue alguma coisa?”.

Já fazia dois anos, e nunca conseguia. Quando não era informação furada, era um emprego com exigências demais para sua pouca (quase nenhuma) experiência. Desde a formatura só fazia bicos e no máximo conseguira ficar por dois meses numa loja. Foram os piores. A falsa sensação de independência que o salário medíocre conferia não compensavam o cansaço e as amolações.

Com as tardes seus olhos passavam a se ocupar com as telas. O smartphone e o computador faziam certo trabalho de distração, mas era defronte à TV que passava a maior parte do tempo. Assistia principalmente a filmes, fosse no sistema por assinatura ou baixados pelo computador. Gostava de todos os gêneros, em especial os de aventura. O que era uma ironia, já que sua vida nunca tinha nenhuma.

Vinha a noite, chegava a madrugada, e prosseguia na mesma atividade. Geralmente só a concluía depois das três da manhã, quando começava a sentir um pouco de culpa. Sempre desligava os equipamentos pensando em dormir mais cedo, cuidar da saúde. Com isso pensava que também precisava comer melhor, se exercitar...

Ia se deitar, repousava as pálpebra sobre os olhos cansados e deixava o sono vir. Se não vinha, tentava contar carneirinhos ou qualquer outra técnica em que, no fundo, não acreditava. Tanto podia apagar de vez, quanto revirar na cama a noite toda sem sucesso. Nessas ocasiões, a frustração era o bastante para não permitir que seus pensamentos fossem muito além do incômodo de não dormir.

Esses hábitos, com suas pequenas variações, se repetiam cotidianamente. Os sábados e domingos não diferiam muito do resto da semana. As quebras de rotina vinham com um ou outro compromisso trivial. As tais festas de aniversário, uma ida às compras, ou as raras ocasiões em que aceitava os convites dos amigos para sair. No mais, cada dia era semelhante ao outro e nada de novo acontecia.

E era somente nos poucos momentos em que a mente se permitia divagar que o marasmo com o qual se acostumara vinha incomodar. Quando o teto do quarto não vidrava seus olhos, quando as telas não capturavam sua distração, quando a falta de sono não virava a atração principal: era então que questionava sua vida.

Parecia que nada havia dado certo até agora. E, também, o que havia feito para que desse? Esperar por um emprego não estava funcionando. Será que era hora de mudar de estratégia? Seguir outro rumo, buscar outro sentido para as coisas. E se não fosse estabilidade financeira o que realmente queria e precisava? Via as vidas de seus colegas de faculdade e eles se dividiam entre os que estavam trabalhando em grandes empresas e os que se encontravam naquela mesma situação. Talvez estivessem fazendo as escolhas erradas.

Pensava nos filmes que via, ou mesmo nas notícias que lia de pessoas com vidas intensas e interessantes. Nunca vivera nada intenso ou interessante. Durante o curso, optara por se concentrar em sua grade curricular, dispensando uma oportunidade de intercâmbio. Agora, mesmo sem ter nada de seguro em que se agarrar, continuava optando por uma suposta ideia de estabilidade em vez de qualquer chance de aventura.

Uma aventura. Sentia que era disso que precisava. Podia ser esse o momento de largar tudo, juntar as coisas numa mochila e sair em viagem pelo mundo afora. Mal conhecia outros estados. Outro país, então, só virtualmente. Já sonhara em visitar a Europa, a Ásia e a própria América Latina. Atualmente pensava muito menos nessas coisas, como em todos os seus outros sonhos.

Não sabia se havia mais aventuras em que podia se jogar. As dos filmes geralmente eram aquelas coisas impossíveis. Talvez porque, nos filmes, quase sempre não são os personagens que procuram por ela, mas ela vai até eles. Tinha certeza de que ninguém viria lhe dizer que passara numa seleção para um reality show de sobrevivência, ou que tinha de ir em busca de um tesouro escondido que não sabia que tinha herdado.

Talvez uma aventura pequena fosse suficiente. Ou uma grande, mas que pudesse manter enquanto continuava esperando pela estabilidade. E, aos poucos, ia diminuindo suas expectativas. Diminuindo e voltando para sua própria realidade, para sua rotina, sem saber se, no dia seguinte, o desejo por algo mais voltaria também.

2 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!

Entendendo melhor o que é esse tal de feminismo intersecional



Reprodução/Pinterest






Atualmente, temos visto várias vertentes do feminismo sendo citadas em conversas. A que eu vou tratar com vocês hoje é o termo Feminismo Intersecional.

Esse termo é cunhado pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw em seu livro e ela o define como:

A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos sistemas intersecionais da sociedade. Exemplos disso incluem: raça, gênero, classe, capacidades físicas/mentais e etnia.

Para entenderem um pouco melhor sobre o que estamos falando, vou explicar da seguinte forma, intersecionalidade fala sobre como os diferentes tipos de discriminação interagem. Não há um tipo de feminismo tamanho único e tanto as campanhas feministas como as antirracistas tem deixado as “mulheres de cor invisíveis na visão geral”. 

Por exemplo, eu sou uma mulher negra e, como resultado, enfrento tanto o racismo como o sexismo ao caminhar em minha vida cotidiana. E nunca essas duas formas de discriminações passaram de forma separada em minha vida.



Kimberlé Crenshaw em foto do seu twitter oficial
                             


Acho importante esclarecer, para uma melhor compreensão, que o termo foi utilizado inicialmente para verificar a aplicabilidade do feminismo negro em leis anti discriminação. Crenshaw citou em uma palestra o caso de Degraffenreid vs General Motors, em que cinco mulheres negras processaram a GM por discriminação de raça e gênero. “O principal desafio da lei é a forma como foi fundamentada, porque a lei anti discriminação olha para raça e gênero como elementos separados”, diz ela. “A consequência disso, é que as mulheres negras americanas — ou quaisquer outras mulheres não-brancas — vivem a experiência de uma discriminação por sobreposição ou conjunta. A lei, inicialmente, não estava lá para vir em sua defesa”.

A principal coisa que a ‘intersecionalidade’ está tentando fazer, eu diria, é evidenciar que o feminismo, que é em certos discursos excessivamente branco e classe média, representa apenas um tipo de ponto de vista — e não reflete sobre as experiências de diferentes mulheres, que enfrentam múltiplas facetas e camadas presentes em suas vidas.

Falando como exemplo pessoal, quando o racismo é levantado no feminismo, ele acaba sendo tratado da mesma forma de quando esse tema é proposto em qualquer outro espaço de debate. Os discursos banais habituais são usados ​​e a acusação de “dividir o movimento” é muitas vezes atirada ​​ao redor.


Então, existem muitas opiniões acreditando que até que o movimento feminista majoritário comece a ouvir os diferentes grupos de mulheres dentro dele, ele corre o risco de se tornar estagnado e não será capaz de seguir em frente. O único resultado disso é que o movimento torna-se fragmentado e continuará a ser menos eficaz.

0 comentários:

Use este espaço à vontade, mas com respeito e moderação. Agradecemos!