All-Cólica


         Foi entre inúmeras cobertas e aquela meia furada que se esforçava para esquentar os dedos que pareciam ter nascidos para serem eternamente gelados que me dei conta de que minha noite poderia ser muito melhor do que uma série assistida através dos incontáveis e descontrolados spoilers e aquela cólica que me acompanha (todo mês) desde o início da adolescência.  Já era hora de procurar na geladeira uma entrada saída para a noite que mal começava a se fazer ausente. Fui beber. 
        Entre um gole e outro, nota-se, de uma cerveja nem um pouco barata adquirida por indicações de quem se auto intitulou um bom conhecedor de bebidas, percebi que minha cólica começou a mudar. Talvez a dormência dos sentidos até então não alcançada com os remédios, teve seu êxito à medida que me “engolava” (uma mistura de engolir e de ser engolida simultaneamente) com aquele líquido projetado para lubrificar pessoas e garantir afinidades, então, por que não a simpatia, o equilíbrio, a reconciliação, o entendimento, ou qualquer outra coisa do tipo, entre mim e meu útero?! E foi aí, nesse cenário de ideias e percepções isoladas, que me julguei capaz de também criar uma cerveja. 
          Limitada à esfera dos anseios do meu intelecto e da baixa capacidade, naquele instante, de distinguir reais habilidades de uma necessidade imediata, sucumbi ao espetáculo de sensações materializadas em importâncias tão tangíveis como a dor que não me fazia existir e, enfim, criei a minha cerveja: All-Cólica. 
         Embora só minha e apenas minha, enquanto restritiva aos direitos da minha memória, bem como da dor particularmente feminina, a imaginei tão encorpada quanto à sensação corpulenta e compacta daquela cólica insuperável. A senti levemente amarga escorrendo pela minha garganta, assim como sentia aquele sangue descendo gradativamente até se assentar no coletor menstrual que adotei há alguns meses como o sujeito político que me imponho socialmente. 
     Como não entendo muito bem de cerveja, mas sim da minha cólica, a saboreei, sincronicamente, através do seu aroma que, de fato, não se fazia existir.  De forma análoga (ops!) aqui já se vão minhas analogias, pois, como disse, uso coletor, e coletores, felizmente, me fizeram esquecer o que é ter um cheiro de sangue manando entre minhas pernas.  Por fim, após tantos devaneios de uma mulher que, no mês que vem, voltará à dissonância de interesses biológicos e políticos, o que fica aí é a dica! 
         Então, amigas cervejeiras empoderadas (e homens também), caso queiram fazer uso do nome por mim inventado (All-Cólica), só não se esqueçam de me atribuir os créditos, blz?! Ahhh! Já ia esquecendo: para quem diz que cerveja e mulher não combinam, fica a informação de que a brasileira Tatiana Spogis ganhou o 3º lugar no Campeonato Mundial de Sommeliers, em 2013, na Alemanha.

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